SER HUMANO

Gilberto Jasper
Jornalista/[email protected]
A sucessão de tragédias que chegam ao nosso conhecimento através dos meios de comunicação provoca uma série de comportamentos que antes não tínhamos. Há anos contesto a postura da imprensa em priorizar tragédias, notícias negativas e conteúdos que chocam ao invés de (in) formar.
Não me entendam mal. Longe de mim defender a transformação do cotidiano em um “mundo cor-de-rosa”, mas a proliferação de programas baseados em crimes hediondos comprova uma tendência de anos. Os bons exemplos – de resiliência, solidariedade e trabalho benemerente – soam piegas e, por isso, são cada vez mais raros.
Esta ideia veio à mente ao assistir o depoimento de pessoas do bairro Sarandi, em Porto Alegre. A área foi uma das mais impactadas na enchente de maio de 2024. Localizadas próximas ao dique, as casas serão demolidas exigindo mudança de local da população. Alguns moradores resistiram, mas a Justiça confirmou a decisão da prefeitura.
Ao ver e ouvir o desabafo de uma diarista refleti sobre o impacto de ser obrigado a deixar a residência onde ela viveu por décadas, teve e criou os filhos e forjou amizades com os vizinhos. O leitor consegue imaginar-se sendo obrigado a abandonar sua casa com as histórias e, lembranças de uma vida inteira?
A banalização da tragédia nos anestesiou. As cheias do ano passado trouxeram prejuízos, destruição, morte e muitas lições. Diversos bairros nunca tinham sido atingidos. Casas espaçosas e confortáveis foram cobertas. As perdas foram incalculáveis. Tudo indica que aprendemos, ao menos parcialmente, que ninguém está livre das tragédias da natureza.
Recém entramos no inverno, estação marcada pelo frio, umidade e chuvas. Há duas semanas levamos o primeiro grande susto pós-enchente de 2024. Vários municípios e a Capital foram castigados por alguns dias de chuvas. Tivemos uma ampla mobilização e o pavor tomou conta dos gaúchos. Famílias foram removidas preventivamente e o trauma da enchente mostrou toda a sua força.
Ao ouvir o relato da moradora da zona norte da Capital, sob lágrimas e profunda tristeza, tive a noção da revolução emocional e material que atingiu os flagelados pelas chuvas. É preciso ter compreensão e solidariedade. Afinal, somos seres humanos.