Os municípios brasileiros precisam fazer a lição de casa
A grande maioria dos municípios brasileiros, para não dizer a quase totalidade, possuem extrema dependência das transferências de recursos financeiros do Governo Federal e dos Estados para que possam propiciar atendimento às suas despesas operacionais e principalmente realizar os investimentos que se mostram necessários na área de obras e na aquisição de bens patrimoniais.
Os recursos atualmente recebidos pelos municípios decorrentes da arrecadação do Fundo de Participação dos Municípios – FPM, repassado pelo Governo Federal, relaciona-se com a arrecadação do Imposto de Renda Pessoa Física e Jurídica, bem como arrecadação do Imposto sobre Produtos Industrializados, o IPI. Mensalmente, 23,5% desse montante arrecadado no Brasil são distribuídos aos municípios em proporção à sua população. Já a arrecadação do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS – é uma arrecadação e repasse dos Governos Estaduais. Mensalmente, 25% do total arrecadado é distribuído aos municípios conforme o seu índice percentual de participação.
O montante mensal repassado sob o título do FPM e do ICMS representam, em média, cerca de 80% dos que os municípios brasileiros arrecadam. Ou seja, as demais arrecadações, sob todos os títulos, tem baixa participação no montante arrecadado.
Essa extrema dependência obriga administrações municipais a serem eficientes e efetivas na aplicação desses limitados recursos financeiros.
Dessa forma, as administrações municipais precisam manter estruturas de custos operacionais fixos de forma enxuta, visando maior disponibilidade de recursos para o enfrentamento das mais variadas necessidades de suas comunidades.
Administrações municipais que optam, erroneamente, no incremento de despesas e comprometimento de suas folhas salariais e encargos decorrentes, sob o ponto de vista que cabe ao poder público gerar empregos, faz aumentar ainda mais suas necessidades de buscar outras fontes de recursos, como emendas parlamentares, apresentação de projetos junto aos órgãos estaduais e federais, para que possam realizar ações e projetos em prol de suas cidades.
O grande desafio que se impõem aos gestores e gestoras públicas é a alocação coerente e eficiente dos recursos públicos, mediante o estudo de suas estruturas, seus fluxos de trabalho e demais procedimentos, visando à sistematização e agilidade das ações, valendo-se de sistemas de informatização e uso de inteligência artificial, compondo grupos técnicos de planejamento em cada área e o constante aprimoramento das estruturas, reinventando-se na proporção que as mudanças impõem.
Nos dias atuais, não há mais espaço para a tomada de decisão calcada meramente em opções pessoais dos gestores ou das gestoras, mas sim, no interesse coletivo, na participação das comunidades nos processos de construção dos planejamentos de curto, médio e longo prazo.
Precisamos pensar nossos municípios além do horizonte de um ou dois mandatos. Precisamos pensar e planejar no longo prazo, como queremos posicionar nossos municípios daqui há 15 ou 20 anos. Esse planejamento de longo prazo praticamente inexiste no Brasil.
Os municípios precisam fazer sua lição de casa, qual seja, racionalizar estruturas operacionais, buscar as parcerias com organizações sociais e a iniciativa privada, efetuar estudo de custos setoriais, em cada área da administração pública, mantendo a realização a cargo do poder público daquilo que se revelar mais econômico e mais efetivo, passando para terceiros quando os estudos de custos se revelarem que esse seja o caminho necessário. Obviamente, há áreas e políticas por demais sensíveis e estratégicas, cuja gestão, especialmente, deve ficar a cargo do poder público, não sendo recomendável a terceirização. Claro que isso não limita a condição de que sejam efetuadas parcerias e contratações.
No campo das receitas, os municípios precisam destinar maior preocupação e, principalmente, maior ação na área de receitas próprias, quais sejam, aquelas sobre as quais os municípios tem poder de legislar e arrecadar, especialmente no que tange à arrecadação de IPTU – Imposto Predial Territorial Urbano – e o ITR – Imposto Territorial Rural – que está em processo de municipalização de gestão. Outra ação recomendável é uma maior eficiência na cobrança de suas dívidas ativas, importante ativo financeiro que pode vir a contribuir efetivamente com a disponibilização de recursos financeiros. Prestigiamos o bom contribuinte quando cobramos os que não pagam, chamamos de princípio da solidariedade na geração de receitas públicas próprias.
Sabemos que as pessoas, pela própria natureza, não gostam ou não querem pagar tributos, mas não podemos esquecer que sem arrecadação não há serviço ou política pública em qualquer área. Mas isso não autoriza os municípios a não serem exigentes e zelosos para com a correta e efetiva aplicação dos recursos arrecadados.
Assim, ou os municípios passam por essa revolução de mentalidade, ou manteremos, ainda por um tempo, as atuais políticas de curto prazo, a extrema dependência de emendas parlamentares e a necessidade de contrair dívidas para realizar investimentos públicos. Para termos um futuro, as administrações municipais precisam pensar e agir no presente.
Gerson Luís Batistella. Administrador, professor da disciplina de Gestão Pública da URI – Frederico Westphalen, Professor Instrutor da Escola Superior de Gestão e Controle do Tribunal de Contas do Estado RS (TCE-RS), Auditor e Coordenador Regional do TCE/RS em Frederico Westphalen.